Neste livreto, reúnem-se temáticas diversas: a condição e a conduta humana, a flora e a fauna, o progresso tecnológico, o dia e a noite, o dia-a-dia, profissões, e tudo o mais que se apresenta diante dos olhos do poeta ou que reverbera em seu íntimo.
As poesias deste livreto estão registradas na Biblioteca Nacional:
Registro 579.037, Livro 1.106, Folha 112
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Quando, à noite, o céu se esconde
Para além da serrania,
Divago não sei aonde
Só porque amo a nostalgia.
Tem a noite tal magia,
Misto de dor e saudade;
Muito, muito quereria
Que fosse a eternidade
Para sondar o infinito,
Mas bem sei que é utopia
Porque contingente sou.
Inda assim meu longo grito
É farta luz cada dia
Com que o tempo me brindou.
Julho de 1985
Há muito, existem, certo, os direitos humanos.
Séculos já atestaram sua idoneidade.
Assim pensamos nós, com peito aberto, ufanos,
Preciosa conquista para a Humanidade.
Curioso que estados fortes "defensores"
Os proclamem, afoitos, a plenos pulmões;
Na verdade, porém, lídimos devedores
Desse mesmo direito a não poucas nações.
É, sim, armas vendidas, negócio vultoso,
Bombas, mísseis e caça à vida de inocentes,
Por outros pagam quantos! É duro, assombroso!
Contrassensos. E como se propalam lemas!
Escamoteada fuga dos incongruentes,
Visando aos pedestais de perenes poemas...
Abril de 1984
O joão-de-barro, artífice de escol,
Para o trabalho vai, sempre faceiro,
O mesmo, de arrebol em arrebol,
E talvez o mais prático engenheiro.
O bico que alimenta, o barro amassa
Em meio a tão sonoras gargalhadas!
Tudo com calma, nada o embaraça
Ao modelar a casa arquitetada.
Nesse ritmo, trabalha satisfeito
Com evidente esmero, e agradável
Quer vente, faça sol ou longo frio.
Muitas vezes eu penso que é perfeito
Modelo de operário responsável,
Personagem legal, de muito brio.
Regularmente à nossa casa chega
O jornal nos trazendo a novidade,
Elo estreito e seguro que aconchega
As áreas campesinas e a cidade.
Quer faça sol ou chuva, ou densa bruma,
Lá... vem o jornaleiro tão pontual;
Mesmo em lânguido olhar, é sempre, em suma,
Arauto do alimento, o cultural.
Eu já falei com tantos pequeninos,
Tristes alguns, sem pai por esta vida,
Valentes, ajuntando o dinheirinho.
Dizem-me que é preciso trabalhar,
Que inda escola frequentam (dura lida!)
Para um padrão mais grato assegurar.
Enquanto a sogra teve força e influência,
Com casa cheia e tantos admiradores,
A nora, secundada por seus pendores,
Demonstrava-lhe afeto. Só aparência...
Muitas e fartas festas, aniversários,
Convinha concorrência para aparecer;
Cínicas atitudes, pois, para tecer
O mais simples dos mais fáceis corolários...
Eis, porém, mal a sogra os olhos dois fechou,
Surgiram as discórdias. Muita "fineza"
No auge da hipocrisia então requintada.
Para as cunhadas farpas tais endereçou
Sob a carpada mais solerte lhaneza,
Própria de alma pequena no imo incubada.
Da mata escura emerge a catedral
Numa auréola de luz inebriante,
Pressurosa me fala de Natal
De multicores brilhos tremulantes.
Absorto, desço e tenho à minha frente
Quase etérea visão ao pôr-do-sol,
Raro templo à luz morna do poente,
Enquanto lento morre o arrebol.
Nada de sons percebo, apenas cores
Do alto do cerro verde, festa plena
E perene banquete de valores
Marchetados na autêntica cultura
Nesta leve, estival tarde, serena
Com que o tempo a cidade emoldura...
Março de 1988
Certa gralha, um pavão queria ser,
Sempre numa falácia bem urdida.
Planejou com cuidado, para ter
Aparência nunca antes exibida.
Longamente pensou sobre a matéria
Até enganar-se a si, filosofou...
Penas catou: pequena, grande e média
E, com elas, feliz se engalanou.
De desfile em desfile, sem parar,
Foi despencando toda a fatuidade.
Como, sem fundamento, a fama passa!
Quanta gente orgulhosa, para mudar,
Seu visual transformou por vaidade!
Onde a glória? Foi nuvem de fumaça...
Benevolentes, mornas as manhãs
Para um raro prazer usufruir...
Tanta folha amarela a colorir
Manhãs e tardes, lídimas irmãs!
Amenos dias tépidos de sol
Macio, pacatez da natureza...
Olímpica expressão de singeleza,
Enquanto morre plácido o arrebol.
À noite, quando a lua alta, serena,
Mandar argênteos raios, o que mais
Sentirei? Só matizes outonais.
Tantos outros desejo e às dezenas,
Sem número, mas muito mais de mil,
Na mística estação, mês de abril...
Dois extremos, dois polos na cultura
Do poema que o tempo instituiu:
A métrica perfeita, uma postura,
Outra o livremetrismo persuadiu.
Marcar a nova práxis: modernismo.
Puro aspecto formal, questão de gosto
No trato da verdade, sim, modismos,
E matizando apenas, nada imposto.
Reserva este viver muito oportunas
Situações paralelas ou contrárias,
Sem perturbar a essência, simples brumas...
Rigor rimado ou mesmo verso branco,
Pouco importa, pois são as necessárias
Visões, desde que sejam versos francos.
Outubro de 1973
Já viste como a Lua empalidece
E mergulha em tristeza tão profunda?
Sim, é muito engraçado, mas parece
Que o dia não faz bem, então se afunda...
Durante o dia, reina claro o Sol
À noite negra, a Lua, sem rival.
É sempre, de arrebol em arrebol,
A luta de titãs, tão natural.
Sol... sinal de energia e de vida,
Lua... argêntea magia colorida,
Noites tantas de sonhos, de ilusões...
Assim, as vinte quatro* horas vividas,
Tudo assim: convivência consentida,
Sol e Lua cindindo corações...
* licença poética
Tecnologia... termo do momento,
A linha diretriz, cega e mordaz...
Riqueza a qualquer preço já, incremento,
Cobiça e ouro e nada satisfaz.
Humanismo, palavra atrofiada,
Relegada ao pernóstico ostracismo...
Quisera fosse um pouco respeitada
Em prol do que já foi tanto altruísmo.
Carecemos da forma de pensar
E sentir de maneira mais humana.
Que exaustão! Quão pesado o velejar
No vórtice dessa árdua, atroz corrente!
Só uma ideia, no entanto, satisfaz:
Na alma auscultar progresso, humanamente...