Neste livreto de sonetos, Gama Bell reproduz lembranças do jovem Gabriel sobre sua infância e adolescência, seus sonhos, imaginações e saudades, suas sensações sobre o clima montanhês da serra gaúcha e os artefatos dos imigrantes italianos, sobre o conforto do lar e o carinho dos pais, sobre um tempo que não volta mais...
As poesias deste livreto estão registradas na Biblioteca Nacional:
Registro 579.037, Livro 1.106, Folha 112
www.bn.br
Íngreme e tortuoso esse caminho,
Outrora, ladeado de florestas,
E presente hoje ainda tanto espinho
Acabrunhante pedra com arestas...
Sulcos abertos, velhas as carretas,
Lado a lado, barrancos derreados,
Flores nativas, musgos, as facetas
De um tempo carinhoso então passado.
No ar, canções coloridas, e faceiro
Um povo com domingos bem cumpridos,
Dias de escola séria ali assistida.
Inda me abanam, velhos, os coqueiros,
O pôr-do-sol... o mesmo, repetido,
A mesma igreja branca, encanecida...
Do ninho uma saudade - a do conforto -
O que, afável, brindou-me segurança
Exigida nos tempos de criança,
Inefáveis aos quase hoje "sol posto".
Nele, os primeiros passos - áurea lida -
Fraterno amor não menos repartido
E o filial afeto antes curtido,
Vivo ontem, hoje e sempre em minha vida.
De volta ao alfombrado e doce lar,
Furtiva, alguma lágrima a rolar
Agita o coração branca verdade...
Porque ele apela tudo a degustar;
Tempos saudosos, só pra recordar,
Doridos, pois não voltam mais, saudade...
Recordo ainda aquela meiga estrela
Que do meu quarto sempre contemplava.
Era inverno bem lânguido e chegava
A me saudar, alegre, na janela.
Era na hora da prece, Ave-Maria
E vinha tanger cordas de saudade.
Não sei se outro momento, na verdade,
Mais ameno do que este, nostalgia...
Quantos versos fluídos na dormência
De tantos fins de tarde espreguiçada
Que vivi em minha verde mocidade
Cada um recorda suas referências,
A minha há muito tempo está incubada:
Fim de dia... da estrela da saudade...
Uma longa saudade! Sem meu pai!
Nostálgica essa imagem... O lembrar
Já vai longe demais para aguentar
Tanto e profundo o grito, o dos meus "ais"...
Saudade imensa aperta dos conselhos
E das ponderações: "Cuidado, filho,
Juízo, atenção. Muito falso brilho
Se reflete no olhar, perfeito espelho."
Tanta sabedoria paternal!
Idônea segurança em me instruir
Na corrente da vida, dia a dia...
Neste peito, pulsa, e bem filial,
A me dizer "Seus lemas vai seguir,
No báratro, sem eles, que seria?"
Santa Cruz do Sul (RS), fevereiro de 2004.