Neste livreto, Gama Bell apresenta seus sonetos mais íntimos, frutos da diuturna reflexão de Gabriel sobre as perguntas mais perenes do ser humano. Quiçá o leitor poderá, neles, encontrar as suas próprias respostas.
As poesias deste livreto estão registradas na Biblioteca Nacional:
Registro 579.037, Livro 1.106, Folha 112
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Descubro no silêncio raras vozes
Que acalentam minha alma docemente,
Mesmo em meio às angústias mais atrozes
Que fatigam meus passos acremente.
Por tantos desenganos, às vezes, tonto,
Descubro um refúgio que me faz bem:
É que em mim o silêncio bate o ponto
E me sinto feliz como ninguém.
Como bom companheiro o considero,
Pois sempre sugeriu alternativas
Conducentes ao grato e reto agir.
Veja, então, que silêncio não é mero
Calabouço à palavra irrefletida,
Modo de vida assim... de escol porvir...
Tantos os simulacros... ricos, pobres
querem troféus de vária, sutil gama.
Ao de fechados olhos sempre engana
o vistoso aparato. Engodo encobre
retórica solerte, calculada.
Já perscrutei com afã, muito cuidado,
e encontrei, no jazigo decorado,
vã, efêmera glória à terra dada.
Mas nem tudo me pode amedrontar,
porque, bem oportunos, há momentos
para o sadio intuito avaliar.
Também porque, da lama repugnante
e de forjados, sórdidos eventos,
brotam flores de aromas bem fragrantes...
Abril de 1997
Quando, à noite, o céu se esconde
Para além da serrania,
Divago não sei aonde
Só porque amo a nostalgia.
Tem a noite tal magia,
Misto de dor e saudade;
Muito, muito quereria
Que fosse a eternidade
Para sondar o infinito,
Mas bem sei que é utopia
Porque contingente sou.
Inda assim meu longo grito
É farta luz cada dia
Com que o tempo me brindou.
Julho de 1985
Uns o chamam colina da saudade,
Campo santo dirão outros também,
Fatal, de qualquer forma, eternidade
Na Montanha ou no Báratro, no além...
Quer pelo Sol nascente iluminada,
Quer por difusa luz... pálida Lua,
É sempre a derradeira tal morada
Donde a suprema vida continua.
Em paz estarão todos os finados
Que, incólumes, viveram santa lei,
Partícipes daquele grande aprisco
E, para todo o sempre afortunados,
Pois somente se integram nessa grei
Os seguidores lídimos de Cristo.
É desde a necessária, mais remota história
Um pertinente alerta no convívio humano.
Nenhuma novidade, somente a vanglória
Esconderia tantos, fatais desenganos.
Tardes brancas, ocasos bem ensolarados,
Sombrias manhãs, minha alma pouco festiva,
Desertos e florestas andam alternados,
Profunda cicatriz na fibra sensitiva...
Fluxo e refluxo, verso e reverso se espelham
No imo de cada ser, ânsia controvertida,
Se plácido ou revolto, o mesmo mar da vida...
Verdade é que os extremos muito se assemelham,
Que a vida humana não lhes estará submissa,
Fruto da livre escolha nesta eterna liça...
Outubro de 1993
À beira do caminho, exangue, inerme
A vítima, ao sabor da indiferença.
Passa o rico, peado paquiderme
Sequioso de humana recompensa.
Interessado, acode; aos quatro ventos
Propala que o momento não perdeu
Para fazer manchete neste evento:
Rádio, jornal e tudo concorreu.
A Escritura retorna com seus dardos
Ao fariseu jogados, que fulminam.
Sempre existem sepulcros... são os tardos
À cata de louvores passageiros.
Quimeras, vãos engodos, pois terminam
Como os falaciosos pregoeiros...
Outubro de 1976
Efêmero momento a nossa vida.
Fugacidade... e vã tanta atitude,
Sempre, porém, perene concebida
Para fugir ao lúgubre ataúde.
É o jogo dos contrários, necessário
Ao contingente ser, constantemente.
Engano, engodo... assim é temerário
O intento de viver eternamente.
Numa refrega, cujo perdedor
Será sobejamente conhecido:
Corolário da queda original.
Contudo, amigo, existe o vencedor
E o teste é contrição do arrependido
Por mais grave que tenha sido o mal.
Julho de 1980
O espelho não me trai; diz-me a verdade:
Que o tempo passa e muda fatalmente,
Sem dó, transforma duramente,
Só não transforma a pura divindade.
O passado... de eventos, só passado,
Mas de lições repleto. Ordenamentos...
A muitos ele dá contentamento,
Em outros deixa os pés empertigados.
O presente, palpável, dia a dia,
Provê provas à nossa finitude
E o ânimo dos fracos arrefece.
O futuro, esse fluxo é companhia
Dos contrários - o vício e a virtude -
Submete à prova o Bem, que cresce, cresce...
Sobre suas ideias debruçado,
O poeta procura o termo exato,
Enquanto um sabiá triste e pacato
Longo e saudoso evola seu trinado.
Era na meia tarde ensolarada
Perto do avarandado acolhedor,
Cantava um os eflúvios, todo o amor,
Outro escrevia versos à idolatrada.
Todos encontram modos de expressar
Tudo aquilo que a curta vida encerra:
Tristeza e alegria aos borbotões
Como as do sabiá pronto a cantar
E as do poeta em frases sinceras:
Vida, canto e poesia aos corações...
Distantes plagas próximas da gente,
Na alcantilada sempre verde serra...
De favônios amenos, reverentes
Que aos frutos bafejam desta terra.
Tortuosos caminhos, perfumados
De angústias delongadas no labor,
Ridentes, simples lares espalhados,
Generosos cenáculos de amor...
Comum fala espontânea de além-mar,
Acridoces canções quase esquecidas,
Um puído folclore a retornar.
É caminhada longa, percuciente,
E tudo punge... seta desferida
Pela plaga distante, eternamente...
Novembro de 1977
E vai-se lentamente a luz fugaz
Que a minha curta vida iluminou
Muito bom que atrativo vil, falaz
Meu barco, embora frágil, não virou.
Não longe está o feliz porto, seguro
Que a paternal herança, a fé, norteou
Uma vez que inclemente hálito impuro
Da paixão meu batel interrogou:
Se o vício, duramente, nesta luta
Muito ceifa, destrói, almas dizima
Ao forte não derrota, em qualquer tempo.
Se algo posso dizer a quem me escuta
No eclipse meu fatal, que se aproxima
É isto: vida efêmera, pó ao vento...
16 de março de 1990
Pelos vícios, difícil criticá-lo
E difícil louvá-lo por virtudes,
E muito mais difícil abordá-lo,
O silêncio, tamanha a magnitude
Do alcance para quem sabe viver
Não somente a seu lado, lisonjeiro,
Porém, principalmente, conviver
Com ele, o mais fiel, bom companheiro.
Quanto vi lenitivo aconchegante
Neste são, meu amigo que acrisola
Meus planos sempre mais a todo instante...
Que mais dizer senão que erro rotundo
Sucede a todo aquele que o imola;
É qual flor que estiola ao sol fecundo.
Fevereiro de 1984